terça-feira, 28 de julho de 2020

FICHA CATALOGRÁFICA É UMA ARTE

Por Marcelo Diniz. 2020.

Na atribuição do profissional Bibliotecário talvez a atividade técnica mais comum seja a da catalogação de itens informacionais. É, deveras, possível concentrar um universo de informações naquela Ficha Catalográfica (ou “aquela fichinha” como chamavam alguns alunos quando solicitavam a elaboração da mesma para seus TCCs em uma IES que trabalhei). Alguns inclusive confundiam as informações da ficha catalográfica com as referências bibliográficas (e vice-versa). Mas enfim, as fichas também servem para revistas, monografias, teses e dissertações, no entanto são mais comuns em livros. 
É comum perceber a felicidade de um leitor ao ter em mãos um livro com um bom acabamento. E como parte disto, uma ficha catalográfica elaborada no verso da folha de rosto de uma obra é objeto de admiração dos bibliófilos. (pelo menos eu vejo assim). Sua composição, a riqueza nos detalhes, a textura, o cuidado ornamental com as informações ali contidas.  
Ao contrário do que se pensa, fazer uma ficha catalográfica não é uma atividade simples. Trata-se de um procedimento detalhado que, particularmente, “considero uma arte”. Muitos não sabem, que vez ou outra é necessário “dissecar” a obra, ler boa parte do livro para extrair informações precisas para sua catalogação, posto que algumas vezes o livro, ou outro item, não traz informações suficientemente técnicas para fins de catalogação e indexação.
Seja um calhamaço, seja um periódico, é na ficha catalográfica que comporta a representação física e temática de uma publicação, e que segue normas internacionais de catalogação do código vigente, e o mais utilizado é o AACR – Anglo American Cataloguing Rules. Com a ficha é possível identificar informações precisas do livro, facilitando sua indexação em bancos de dados uniformizando catálogos e principalmente auxiliando editoras e livrarias a organizar tais informações.
A história sugere que volta de 1780 que o primeiro catálogo de fichas apareceu em Viena e as primeiras fichas provavelmente foram feitas de cartas de baralho francesas, por volta de 1700. (KRAJEWSKI, 2011). Na Europa já se utilizava um sistema de catalogo organizado sistematicamente, mas, o sistema de catalogação na fonte surgiu na Library of Congress – LOC (CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 224) com a impressão de fichas catalográficas em 1898, e em 1901 passaram a ser distribuídas às bibliotecas solicitantes. E em primeiro de outubro de 2015, depois de mais de 150 anos, a OCLC encerra a “impressão” de fichas para catálogos de biblioteca. (COYLE, 2016).
Em 1861 Charles Ammi Cutter atribuiu a Ezra Abbot (1819 a 1884), bibliotecário assistente do Harvard College, o catálogo de fichas em cartões. Onde Cutter desenvolveu uma forma de catálogo, usando cartões no lugar de volumes publicados, então Ezra Abbot o planejou e aperfeiçoou em um catálogo alfabético de cartas.
Na primeira edição da sua Classificação Decimal, Melvil Dewey (1851–1931) faz elogios ao uso dos cartões. E em 1877 o recém formado “Comitê de Cooperação” da American Library Association (ALA) padroniza o uso das fichas (cartão de catalogo), e a The Library Bureau (empresa de Dewey fundada um ano antes) fornecias os mesmos às bibliotecas por um custo menor do que o estoque produzido sob encomenda. (COYLE, 2016). Além de disso a empresa vendia móveis e utensílios para bibliotecas.
O uso da máquina de escrever ajudou a padronizar as informações que compunham as fichas (antes feitas à mão) no formato 3 X 5 polegadas (3 by 5 inches), ou 7,5 X 12, 5 cm. E em 1902 a Biblioteca do Congresso Americano desenvolveu um conjunto de cartões impressos (padrão ALA) e comercializou os mesmos, ajudando a solidificar o uso de catálogos nas bibliotecas.
Até Henriette Avram (1919 - 2006), uma analisa de sistemas desenvolver o formato MARC (Machine Readable Cataloging) nos anos 60.
É certo que Dewey ajudou, inconscientemente, na padronização de fichas para os serviços de bibliotecas, pois essa possibilitou que as bibliotecas americanas adicionassem cartões impressos nos seus catálogos.  Da mesma forma a criação do MARC por Avram não previu a criação do catalogo Online, mas também é essa a evolução do Catálogo de Acesso Público Online (OPAC). (COYLE, 2016). Isso faz dos dois grandes ícones na organização do conhecimento dentro das bibliotecas.
É preciso entender que esse tamanho foi padrão para catálogos físicos das bibliotecas. Nos livros e trabalhos acadêmicos é possível utilizar o tamanho 7,5 X 12,5 cm também, porém outro formato traz mais flexibilidade para o uso de informações. Prova disso é a própria ficha catalográfica plotada no AACR que não comporta essa medida.  
Em um de seus famosos aforismos Oscar Wilde dizia que "Um poeta pode sobreviver a tudo, menos a um erro de impressão". O que pode acontecer mesmo após diversas revisões. Nesse contexto de edição, as fichas também estão inseridas. Um dos “problemas” que encontramos quando analisamos um livro é perceber erros, deveras gritantes, na ficha catalográfica. Talvez isso traduza a fragilidade com que se trata este item informacional. Pois as fichas catalográficas as vezes são, perceptivamente, copiadas de outros livros. E pasmem, ISBN também . Mas falo disso mais adiante. 
Além dos livros, as fichas catalográficas, também devem ser adicionadas no verso da folha de rosto nos trabalhos de conclusão de curso, como descrito na norma da ABNT para trabalhos acadêmicos, que versa da seguinte forma: “deve conter os dados de catalogação-na-publicação, conforme o Código de Catalogação Anglo-Americano vigente”. (ABNT NBR 14724, 2011). Além desta norma, vale ressaltar que a ABNT NBR 6029, que é a norma de Livros e folhetos, também menciona a ficha catalográfica como elemento essencial, bem como sua elaboração utilizando o referido AACR. 
Segundo a Lei 10.753/2003, a chamada lei do livro, é obrigatória a elaboração das Fichas Catalográficas nas publicações. Seu artigo 6º versa: “Na editoração do livro, é obrigatória a adoção do Número Internacional Padronizado, bem como a ficha de catalogação para publicação”. 
Mas quem elabora tais fichas? É comum encontrar pessoas ensinando a fazer ficha catalográfica na internet, no Youtube por exemplo. Não se iluda com o discurso de que é fácil. A maioria ensina de maneira errônea e superficial (Já pediu para um marceneiro extrair o seu dente?). Em caráter responsivo a essa questão, trago a resolução nº 184, de 29 de setembro de 2017 do Conselho Federal de Biblioteconomia, que determina, entre outras coisas, a obrigatoriedade da identificação do profissional bibliotecário nas fichas catalográficas. Onde assim descrito no seu artigo 3º “É obrigatório que conste o número de registro no CRB do bibliotecário abaixo das fichas catalográficas de publicações de quaisquer natureza e trabalhos acadêmicos”. Creio que isto traz maior responsabilidade e profissionalismo ao serviço de catalogação de livros e trabalhos acadêmicos, visto que não é mero preciosismo pois já é parte do serviço técnico de profissionais bibliotecários. Trata-se de um elemento que, por adotar padronização de descrição bibliográfica, “ainda” auxilia no controle bibliográfico (ou seria essa a intenção). Isto é, não precisa ser nenhum polímata para elaborar uma ficha catalográfica. Basta ser Bibliotecário com registro no Conselho de classe. 
Sobre o ISBN (International Standard Book Number), o mesmo possui 13 dígitos e também é elemento obrigatório ainda de acordo com a lei 10.753. Sendo inserido na quarta capa do livro impresso e funciona como um “código numérico para identificação internacional de cada livro ou cada edição dos livros de um editor”. De 1978 a 2020, a Biblioteca Nacional foi a responsável pela sua atribuição no Brasil, ficando atribuída a partir de março de 2020 à Câmara Brasileira do Livro-CBL.
Podemos entender o ISBN como um RG para o livro, pois, mesmo a cada nova edição recebe um novo número. Porém, causa espanto quando encontramos números de ISBN em livros que são atribuídos a outra obra (de verdade já encontrei alguns). Quer uma prova? Procure no catálogo da BN o ISBN 857018185X e você encontrará o livro “ESTATUTO DA CRIANCA E DO ADOLESCENTE” 4ª Edição de 1998, 216p. ; 23 cm, porém, o mesmo ISBN também é encontrado no livro de mesmo título, 5ª edição de 2004 (como consta a informação na folha de rosto). É sabido que a cada nova edição seria atribuído um novo ISBN, o que não aconteceu neste caso.  
Talvez em uma tentativa de economizar? Desconhecimento? Difícil dizer, mas é fato que circulam obras (geralmente de autores independestes) que copiam o número padronizado de outras obras, que muitas vezes tem até o mesmo título, o que não significa que possa ter a mesma numeração. (Já imaginou uma pessoa com o mesmo nome utilizando seu RG?). 
Isto nos leva a sugerir que, no mínimo, algumas “casas editoriais” agem sem auxílio profissional para elaborar ficha catalográfica.  
 Entenda que os dados informacionais de qualquer livro fazem parte do universo deste profissional, que é responsável por cadastrar, catalogar e indexar este material nas unidades de informação. O destino de tudo que é pesquisado e escrito é um documento bibliográfico (ou não bibliográfico). O fluxo da informação nos permite dizer, peremptoriamente, que tudo começa e termina na biblioteca. 
Sabe quando digo que Ficha Catalográfica é uma arte?. Veja os catálogos pintados por Vickie Moore que resgata cartões obsoletos de catálogos de fichas de biblioteca e transforma os mesmos em obras de arte. Literalmente.




REFERÊNCIAS



ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14724: informação e documentação: Trabalhos acadêmicos — Apresentação. Rio de Janeiro: ABNT, 2011. 11 p. 

BRASIL. Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003. Institui a Política Nacional do Livro. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 out. 2003. Seção 1, p. 1-2. ISSN 1677-7042. Disponível em: 
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1000&pagina=1&data=31/10/2003. Acesso em: 12 jul. 2017. 

CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA. Resolução nº 184, de 29 de setembro de 2017. Dispõe sobre a obrigatoriedade da indicação do nome e do registro profissional do bibliotecário nos documentos de sua responsabilidade e nas fichas catalográficas em publicações de qualquer natureza. Diário Oficial da União. Brasília, DF, n. 193, 6 out. 2017. Seção 1, p. 180-181. ISSN 1677-7042. Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=180&data=06/10/2017. Acesso em: 16 mar. 2018. 

CUNHA, Murilo Bastos da; CAVALCANTI, Cordélia Robalinho de Oliveira. Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia. Brasília, DF: Briquet de Lemos, 2008. 451 p. 

EWEN, Lara. Libraries and Pandemic Preparedness: addressing COVID-19 with facts and outreach. American Libraries Magazine, Chicago, EUA, 5 mar. 2020. Disponível em: https://americanlibrariesmagazine.org/blogs/the-scoop/covid-19-libraries-pandemic-preparedness/. Acesso em: 19 mar. 2020.

KRAJEWSKI, Markus. Paper machines: about cards & catalogs, 1548-1929. Cambridge (Massachusetts); London: MIT Press, 2011. ISBN 9780262015899.




Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...