Por Marcelo Diniz. 2020.
Na
atribuição do profissional Bibliotecário talvez a atividade técnica mais comum
seja a da catalogação de itens informacionais. É, deveras, possível concentrar
um universo de informações naquela Ficha Catalográfica (ou “aquela fichinha”
como chamavam alguns alunos quando solicitavam a elaboração da mesma para seus TCCs
em uma IES que trabalhei). Alguns inclusive confundiam
as informações da ficha catalográfica com as referências bibliográficas (e
vice-versa). Mas enfim, as fichas também servem para revistas, monografias,
teses e dissertações, no entanto são mais comuns em livros.
Ao
contrário do que se pensa, fazer uma ficha catalográfica não é uma atividade
simples. Trata-se de um procedimento detalhado que, particularmente, “considero
uma arte”. Muitos não sabem, que vez ou outra é necessário “dissecar”
a obra, ler boa parte do livro para extrair informações precisas para sua
catalogação, posto que algumas vezes o livro, ou outro item, não traz
informações suficientemente técnicas para fins de catalogação e indexação.
Seja
um calhamaço, seja um periódico, é na ficha catalográfica que comporta a representação
física e temática de uma publicação, e que segue normas internacionais de
catalogação do código vigente, e o mais utilizado é o AACR – Anglo American Cataloguing Rules. Com
a ficha é possível identificar informações precisas do livro, facilitando sua
indexação em bancos de dados uniformizando catálogos e principalmente
auxiliando editoras e livrarias a organizar tais informações.
A história sugere que volta de 1780 que o primeiro
catálogo de fichas apareceu em Viena e as primeiras fichas provavelmente foram
feitas de cartas de baralho francesas, por volta de 1700. (KRAJEWSKI, 2011). Na
Europa já se utilizava um sistema de catalogo organizado sistematicamente, mas,
o sistema de catalogação na fonte surgiu na Library of Congress – LOC (CUNHA;
CAVALCANTI, 2008, p. 224) com a impressão de fichas catalográficas em 1898, e
em 1901 passaram a ser distribuídas às bibliotecas solicitantes. E em primeiro
de outubro de 2015, depois de mais de 150 anos, a OCLC encerra a “impressão” de
fichas para catálogos de biblioteca. (COYLE, 2016).
Em
1861 Charles Ammi Cutter atribuiu a Ezra Abbot (1819 a 1884), bibliotecário
assistente do Harvard College, o catálogo de fichas em cartões. Onde Cutter
desenvolveu uma forma de catálogo, usando cartões no lugar de volumes
publicados, então Ezra Abbot o planejou e aperfeiçoou em um catálogo alfabético
de cartas.
Na
primeira edição da sua Classificação Decimal, Melvil Dewey (1851–1931) faz
elogios ao uso dos cartões. E em 1877 o recém formado “Comitê de Cooperação” da
American Library Association (ALA) padroniza o uso das fichas (cartão de
catalogo), e a The Library Bureau (empresa de Dewey fundada um ano antes)
fornecias os mesmos às bibliotecas por um custo menor do que o estoque
produzido sob encomenda. (COYLE, 2016). Além de disso a empresa vendia móveis e
utensílios para bibliotecas.
O
uso da máquina de escrever ajudou a padronizar as informações que compunham as
fichas (antes feitas à mão) no formato 3 X 5 polegadas (3 by 5 inches), ou 7,5 X
12, 5
cm. E em 1902 a Biblioteca do Congresso Americano desenvolveu um conjunto de
cartões impressos (padrão ALA) e comercializou os mesmos, ajudando a
solidificar o uso de catálogos nas bibliotecas.
Até
Henriette Avram (1919 - 2006), uma analisa de sistemas desenvolver o formato
MARC (Machine Readable Cataloging) nos anos 60.
É
certo que Dewey ajudou, inconscientemente, na padronização de fichas para os
serviços de bibliotecas, pois essa possibilitou que as bibliotecas americanas
adicionassem cartões impressos nos seus catálogos. Da mesma forma a criação do MARC por Avram
não previu a criação do catalogo Online, mas também é essa a evolução do
Catálogo de Acesso Público Online (OPAC). (COYLE, 2016). Isso faz dos dois
grandes ícones na organização do conhecimento dentro das bibliotecas.
É preciso
entender que esse tamanho foi padrão para catálogos físicos das bibliotecas.
Nos livros e trabalhos acadêmicos é possível utilizar o tamanho 7,5 X 12,5 cm também,
porém outro formato traz mais flexibilidade para o uso de informações. Prova disso
é a própria ficha catalográfica plotada no AACR que não comporta essa medida.
Em
um de seus famosos aforismos Oscar Wilde dizia que "Um poeta pode
sobreviver a tudo, menos a um erro de impressão". O que pode acontecer
mesmo após diversas revisões. Nesse contexto de edição, as fichas também estão
inseridas. Um dos “problemas” que encontramos quando analisamos um livro é
perceber erros, deveras gritantes, na ficha catalográfica. Talvez isso traduza
a fragilidade com que
se trata este item informacional. Pois as fichas catalográficas as vezes são,
perceptivamente, copiadas de outros livros. E pasmem, ISBN também .
Mas falo disso mais adiante.
Além dos livros, as fichas
catalográficas, também devem ser adicionadas no verso da folha de rosto nos
trabalhos de conclusão de curso, como descrito na norma da ABNT para trabalhos
acadêmicos, que versa da seguinte forma: “deve
conter os dados de catalogação-na-publicação, conforme o Código de Catalogação
Anglo-Americano vigente”. (ABNT NBR 14724, 2011). Além desta norma, vale
ressaltar que a ABNT NBR 6029, que é a norma de Livros e
folhetos, também menciona a ficha catalográfica como elemento essencial, bem
como sua elaboração utilizando o referido AACR.
Segundo a Lei
10.753/2003,
a chamada lei do livro, é obrigatória a elaboração das Fichas
Catalográficas nas publicações. Seu artigo 6º versa: “Na editoração do livro, é obrigatória a adoção do Número Internacional
Padronizado, bem como a ficha de catalogação para publicação”.
Mas
quem elabora tais fichas? É
comum encontrar pessoas ensinando a fazer ficha catalográfica na internet, no
Youtube por exemplo. Não se iluda com o discurso de que é fácil. A maioria
ensina de maneira errônea e superficial (Já pediu para um marceneiro extrair o
seu dente?). Em caráter responsivo a essa questão, trago
a resolução
nº 184, de 29 de setembro de 2017 do Conselho Federal de
Biblioteconomia, que
determina, entre outras coisas, a obrigatoriedade da identificação do
profissional bibliotecário nas fichas catalográficas. Onde assim descrito no
seu artigo 3º “É obrigatório que conste o número de registro no CRB do
bibliotecário abaixo das fichas catalográficas de publicações de quaisquer
natureza e trabalhos acadêmicos”. Creio que isto traz maior
responsabilidade e profissionalismo ao serviço de catalogação de livros e
trabalhos acadêmicos, visto que não é mero preciosismo pois já é parte do
serviço técnico de profissionais bibliotecários. Trata-se de um elemento
que, por adotar padronização
de descrição bibliográfica, “ainda” auxilia no controle bibliográfico (ou
seria essa a intenção). Isto é, não precisa ser nenhum polímata para
elaborar uma ficha catalográfica. Basta ser Bibliotecário com registro no Conselho de classe.
Sobre o ISBN (International
Standard Book Number), o mesmo possui 13
dígitos e também é elemento obrigatório ainda de acordo com a lei 10.753. Sendo
inserido na quarta capa do livro impresso e funciona como um “código numérico
para identificação internacional de cada livro ou cada edição dos livros de um
editor”. De 1978 a 2020, a Biblioteca Nacional foi a responsável pela sua
atribuição no Brasil, ficando atribuída a partir de março de 2020 à Câmara
Brasileira do Livro-CBL.
Podemos entender o ISBN como um RG para o livro,
pois, mesmo a cada nova edição recebe um novo número. Porém, causa espanto
quando encontramos números de ISBN em livros que são atribuídos a outra
obra (de verdade já encontrei alguns). Quer uma prova? Procure no catálogo da BN o
ISBN 857018185X e você encontrará o livro “ESTATUTO DA CRIANCA E DO
ADOLESCENTE” 4ª Edição de 1998, 216p. ; 23
cm, porém, o mesmo ISBN também é encontrado no livro de mesmo título, 5ª edição
de 2004 (como consta a informação na folha de rosto). É sabido
que a cada nova edição seria atribuído um novo ISBN, o que não aconteceu neste
caso.
Talvez em uma tentativa de economizar?
Desconhecimento? Difícil dizer, mas é fato que circulam obras (geralmente de
autores independestes) que copiam o número padronizado de outras obras, que
muitas vezes tem até o mesmo título, o que não significa que possa ter a mesma
numeração. (Já imaginou uma pessoa com o mesmo nome utilizando seu RG?).
Isto
nos leva a sugerir que, no mínimo, algumas “casas editoriais” agem sem auxílio
profissional para elaborar ficha catalográfica.
Entenda
que os dados informacionais de qualquer livro fazem parte do universo deste
profissional, que é responsável por cadastrar, catalogar e indexar este
material nas unidades de informação. O destino de tudo que é pesquisado e
escrito é um documento bibliográfico (ou não bibliográfico). O fluxo da
informação nos permite dizer, peremptoriamente,
que tudo começa e termina na biblioteca.
Sabe
quando digo que Ficha Catalográfica é uma arte?. Veja os catálogos pintados por
Vickie Moore que resgata
cartões obsoletos de catálogos de fichas de biblioteca e transforma os mesmos
em obras de arte. Literalmente.
REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR
14724: informação e documentação: Trabalhos acadêmicos — Apresentação. Rio
de Janeiro: ABNT, 2011. 11 p.
BRASIL. Lei nº 10.753, de 30 de outubro de
2003. Institui a Política Nacional do Livro. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 31 out. 2003. Seção 1, p. 1-2. ISSN 1677-7042. Disponível em:
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1000&pagina=1&data=31/10/2003. Acesso em: 12 jul. 2017.
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1000&pagina=1&data=31/10/2003. Acesso em: 12 jul. 2017.
CONSELHO FEDERAL DE
BIBLIOTECONOMIA. Resolução nº 184, de 29 de setembro de 2017. Dispõe sobre a
obrigatoriedade da indicação do nome e do registro profissional do
bibliotecário nos documentos de sua responsabilidade e nas fichas
catalográficas em publicações de qualquer natureza. Diário Oficial da União.
Brasília, DF, n. 193, 6 out. 2017. Seção 1, p. 180-181. ISSN 1677-7042.
Disponível em: http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=180&data=06/10/2017. Acesso em: 16 mar. 2018.
CUNHA, Murilo Bastos da; CAVALCANTI, Cordélia Robalinho
de Oliveira. Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia.
Brasília, DF: Briquet de
Lemos, 2008. 451 p.
EWEN, Lara. Libraries and Pandemic
Preparedness: addressing COVID-19 with facts and outreach. American
Libraries Magazine, Chicago, EUA, 5 mar. 2020. Disponível em: https://americanlibrariesmagazine.org/blogs/the-scoop/covid-19-libraries-pandemic-preparedness/. Acesso
em: 19 mar. 2020.
KRAJEWSKI, Markus. Paper machines: about cards &
catalogs, 1548-1929. Cambridge (Massachusetts); London: MIT Press, 2011. ISBN 9780262015899.
Nenhum comentário:
Postar um comentário