Ah, o leitor voraz! Essa entidade quase mítica, elevada à condição de guardião do conhecimento humano, cujo número de páginas consumidas por mês supostamente define o coeficiente intelectual. A leitura, outrora uma prática de ócio criativo e expansão pessoal, hoje é mais um distintivo de status cultural: um "quem lê mais" de feira literária.
Observe como a sociedade fetichiza a leitura. Cita-se Dostoiévski em festas, mas ignora-se o açougueiro que recita cordéis com a alma. Quem ousaria admitir que prefere um audiobook ao peso físico de Crime e Castigo na mesa de cabeceira? "Isso não é leitura de verdade", dizem os puristas, como se a absorção do conteúdo dependesse da textura do papel e não do impacto das ideias.
E o que dizer da preferência pela "literatura canônica"? Clássicos são enaltecidos enquanto gêneros populares como a fantasia ou o romance de banca são relegados ao desprezo intelectual. Uma ironia cruel: os livros, que deveriam nos libertar, acabam nos acorrentando a um sistema de validação cultural que privilegia alguns autores enquanto apaga outros.
Mas eis o grande segredo que ninguém menciona: ler não é o mesmo que compreender. Não são poucos os que acumulam livros como troféus, mas que, ao serem perguntados, tropeçam na interpretação mais básica. Finnegans Wake na estante, manual do liquidificador no lixo.
E assim seguimos, aplaudindo quem "leu todos os volumes de Proust", mas desprezando quem aprendeu história ouvindo a avó narrar batalhas épicas do sertão. Porque, afinal, a leitura não é um ato de inteligência, mas um ato de escolha. E na escolha, caro leitor, reside o verdadeiro poder da narrativa.
Pergunta para reflexão: O que é mais valioso — ler muito ou ler com intenção?
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