sábado, 17 de fevereiro de 2024

"Library Hand" - A Caligrafia Esmerada das Bibliotecas: Um Estilo Perdido no Tempo

 

O primeiro cartão escrito - west of Cambridge -"library hand"

A Caligrafia Esmerada das Bibliotecas: Um Estilo Perdido no Tempo

No panorama bibliotecário do final do século XIX, floresceu um estilo singular de caligrafia conhecido como "Library Hand". Essa prática meticulosa permeou o trabalho de pioneiros como Melvil Dewey, idealizador do Sistema Decimal de Dewey, e outros curadores das primeiras coleções bibliográficas. Para eles, a legibilidade era um requisito fundamental para os catálogos de fichas manuscritas, os quais serviam como portais de acesso ao conhecimento armazenado. Contudo, com o advento das máquinas de escrever, essa elegante escrita foi gradualmente desaparecendo, tornando-se um artefato fascinante de uma era passada.

Nascida da Necessidade de Organização:

Em 1885, um grupo de bibliotecários se reuniu no Lago George, nos Estados Unidos, para debater questões pertinentes à profissão. Entre os tópicos abordados estava a caligrafia, pois com o crescimento exponencial das coleções, os catálogos de fichas precisavam ser expandidos rapidamente para manter a organização das bibliotecas. Embora a máquina de escrever estivesse surgindo, seu uso ainda não era disseminado, tornando a caligrafia manual indispensável. No entanto, a falta de padronização na escrita gerava preocupações.

James Whitney, da Biblioteca Pública de Boston, ressaltava a dificuldade de leitura causada pelo excesso de floreios e adornos individuais. Já Louis Pollens, do Dartmouth College, defendia uma "caligrafia que se aproximasse o máximo possível da padronização da máquina de escrever, eliminando características individuais".

Foi nesse contexto que surgiu a sugestão de C. Alex Nelson, da Biblioteca Astor em Nova York: adotar o estilo desenvolvido por Thomas Edison, o renomado inventor, para operadores de telégrafo. Esse estilo prezava pela rapidez e legibilidade, características essenciais para o manuseio eficiente das informações. A proposta encontrou respaldo entre os bibliotecários, dando origem à singular "letra de biblioteca".

Priorizando Clareza e Uniformidade:

Influenciada pelo modelo de Edison e aprimorada por meticulosos bibliotecários, a letra de biblioteca priorizava a uniformidade e a clareza acima da estética rebuscada. Melvil Dewey enfatizava a importância de um tamanho consistente das letras, traços escuros e bem definidos, inclinação uniforme, espaçamento correto e formas padronizadas. Até mesmo a cor da tinta tinha especificações, pois variações poderiam prejudicar a legibilidade.

O processo de criação envolveu minuciosas análises de catálogos antigos e intensas discussões entre os bibliotecários. O objetivo era identificar entraves causados pela caligrafia despadronizada e desenvolver soluções que garantissem a legibilidade universal. Dessa forma, concluiu-se que "quanto mais simples e menos traços, melhor". Um leve retrocesso na inclinação foi considerado aceitável, embora a escrita vertical fosse preferida. Detalhes como a forma do número "3" (arredondado para evitar confusão com o "5") foram definidos com extremo cuidado.

Do Apogeu ao Declínio:

A escrita padronizada não era necessariamente rápida de se executar, pois a legibilidade era prioritária. A velocidade variava de acordo com o indivíduo. Dewey registrou um experimento em que bibliotecários escreveram o Pai Nosso em letra de biblioteca e na escrita manual usual. Alguns demoraram consideravelmente mais na escrita padronizada, enquanto outros apresentaram pouca diferença. No entanto, a padronização evitava mal-entendidos e economizava tempo, já que eliminava a necessidade de interpretar letras e números escritos de forma inconsistente.

Com o advento dos sistemas eletrônicos de indexação e a consequente substituição dos catálogos de fichas, a letra de biblioteca tornou-se uma relíquia do passado. No entanto, seu legado permanece acessível em acervos como o da Biblioteca Pública de Nova York. Seu antigo catálogo de fichas foi digitalizado e disponibilizado em uma coleção de 800 volumes impressos, conhecida como "Catálogo Dicionário das Bibliotecas de Pesquisa da Biblioteca Pública de Nova York, 1911-1972". Nessas páginas, é possível encontrar diversos exemplos da meticulosa e elegante letra de biblioteca, um testemunho de uma era em que a organização do conhecimento e a acessibilidade da informação dependiam, em grande parte, da habilidade caligráfica dos bibliotecários.

Referências

History of the card catalog. (2018). Library and Information Science Wiki. Retrieved from https://web.archive.org/web/20180707092815/http://liswiki.org/wiki/History_of_the_card_catalog

Kaminski, D. (n.d.). The context and history of library hand. The varieties and complexities of American handwriting and penmanship: Library hand. Retrieved October 25, 2019.

Morton, E. (2017, February 16). Library hand, the fastidiously neat penmanship style made for card catalogs. Atlas Obscura.

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