segunda-feira, 22 de setembro de 2008

A Biblioteca (Miguel Reale)

Morto, a biblioteca
Projeta a sua imagem
Um livro fechado
Para sempre encerrado,
Sem novos títulos ou capítulos,
Mas com mensagens
A seus discípulos.

Já é outra a biblioteca
Sem vida interior
Na orfandade
de seu amor

Obra a pouco e pouco coligidas
Gota a gota de amorosa escolha,
a existência toda resumida
em amarelidas folhas
e, um instante,
a pena da saudade em cada estante.

Sobre a mesa um volume
Com páginas, marcadas,
Feridas abertas sinais de não aproveitadas
descobertas
neste livro
com espanto
se via um dia:
num poema pequenino
por encanto
se descobria.

Neste outro, de sua lavra,
sentia o peso da palavra:
uma palavra a mais
uma palavra a menos
e outro teria sido o seu destino.

Mas não mais terá a dor
que o atormentava tanto,
remorso do não lido
ou treslido
sem igual amor.

Madrugadas e noites lidas
linha a linha
linhas da palmas da mão
dirigidas para o incerto
a partir da solidão.
Na sombra oculta-se o exército
de cupins, traças e baratas
roendo indiferentemente
livros de ciência e filosofia
de arte e de atas,
rendilhando todo um poema
sem poesia...

- Ar! Luz!
grita o sol vibrando na vidraça
mas é tarde, é muito tarde,
quase noite na biblioteca
que cheira a mofo e naftalina,
não tem cheiro de criança,
não tem cheiro de menina.
Dentro dela só lembranças.

_Passa o tempo e o livro fica
em fila de pé
como soldado montando guarda
ao que não é.

A biblioteca remanesce
soberana ao tempo que passa
e tudo que perece,
indiferente ao sol,
aqueça ou não a vidraça.

Chega a noite à biblioteca
E alça igual seu vôo
O pássaro de Minerva.

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